Texto para Exposição Fotográfica da Guerra na Ucrânia

Um grupo de fotógrafos portugueses pediu-me para escrever o texto para a exposição "Diakuyu | Дякую | Obrigado - Fotojornalistas portugueses na Ucrânia. A inauguração foi no dia 20 Maio (2022), na Galeria Carlos Paredes - SPA. Curadoria de Alexandre Almeida, com fotografias de Adriano Miranda, André Luís Alves, Daniel Rodrigues, Eduardo Leal, João Porfirio, Miguel A. Lopes, Miguel Manso, Nuno Veiga, Paulo Nunes dos Santos, Rui Caria, Rui Duarte Silva, Tiago Miranda.

Todos os dias das nossas vidas

Richard Zimler

 

 

Vivemos num mundo em que algumas pessoas de espírito doentio e perverso negam que os nazis tenham construído Auschwitz, Treblinka e outros campos de extermínio onde foram assassinados seis milhões de Judeus e meio milhão de Romani (Ciganos)  durante a Segunda Guerra Mundial. Imagine-se como seria mais fácil para eles espalharem as suas odiosas mentiras e malévolas teorias da conspiração se não houvesse fotografias nem filmes dos prisioneiros desses campos famintos e brutalizados a serem libertados pelos exércitos aliados.

O desenvolvimento da fotografia no século XIX tornou possível documentar o sofrimento quase ilimitado causado por guerras e conflitos em todo o mundo – e desmentir aqueles que gostariam muito de conseguir branquear ou esquecer os crimes contra a humanidade. Quem pode esquecer, por exemplo, a imagem incomparavelmente perturbadora de uma rapariga vietnamita em lágrimas – Phan Thị Kim Phúc – a correr nua pela estrada depois de ser queimada num ataque de napalm em 1972? Muitas pessoas – inclusive eu – consideram essa imagem, tirada pelo fotógrafo vietnamita-americano Nick Ut, um instrumento fundamental do movimento de opinião que contribuiu para finalmente acabar com uma guerra imoral que causou a morte de um milhão de vietnamitas e 58.000 soldados americanos.

Todos os dias, fotógrafos audaciosos arriscam as suas vidas para documentarem o sofrimento causado por violências atrozes e conflitos armados – e também para nos lembrarem a necessidade absoluta de estabelecer a paz. Fazem isso nas selvas de Mianmar, na Cisjordânia, nos estaleiros dos madeireiros ilegais da floresta amazônica e em muitos outros lugares onde o chamado bom senso os aconselharia a não ir. Graças a eles, nos últimos dois meses, tem-nos chegado também um fluxo constante de imagens perturbadoras e muitas vezes dilacerantes de Mariupol, Bucha e de outras cidades e vilas da Ucrânia.

Todos estes escombros já foram uma aldeia….

Este marido e mulher que estão a despedir-se um do outro talvez nunca mais se vejam…

Os homens, mulheres e crianças enterrados nestas sepulturas mereciam mais do que cruzes e flores…

Este livro de gramática abandonado deve ter pertencido a uma criança que agora está morta – ou a viver num país distante.

Estas são apenas algumas das mensagens inesquecíveis que podemos retirar das fotografias desta exposição de obras dos seguintes profissionais portugueses: Adriano Miranda, André Alves, Daniel Rodrigues, Eduardo Leal, João Porfírio, Miguel A. Lopes, Miguel Manso, Nuno Veiga, Paulo Nunes Santos, Rui Caria, Rui Duarte Silva e Tiago Miranda.

Estes fotógrafos corajosos deram à sua exposição o título de Diakuyu ou Дякую, que significa Obrigado na língua ucraniana. Segundo eles, este título foi escolhido “como uma homenagem e agradecimento ao povo ucraniano, que não está só a lutar em causa própria, mas pela defesa de valores universais como a liberdade, a justiça e a democracia”. 

Por coincidência, escrevo este texto no dia 25 de abril, aniversário da revolução portuguesa, que trouxe a democracia ao país após quase cinco décadas de uma ditadura repressiva. No entanto, esta exposição é ao mesmo tempo uma lembrança de que todos devemos lutar pelos direitos humanos, a dignidade humana e a paz não apenas nos dias em que comemoramos mudanças sociais e políticas importantes, mas em todos os dias das nossas vidas.

Richard Zimler