Sonhar com Lázaro

22 June 2018

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A ideia d’O Evangelho segundo Lázaro ocorreu-me num sonho.
Pouco depois de o meu irmão ter morrido com Sida em1989, sonhei que ele tinha voltado à vida. Vi-o atravessar o pátio de um casarão de pedra sem pintura onde eu me encontrava aparentemente como convidado. Dirigia-se para um anexo ou uma cocheira nas traseiras da casa.
Observei-o a entrar para o anexo e depois, quase de seguida, a sair outra vez. Corri para fora do quarto e fui ter com ele ao pátio da mansão. Ele não me recebeu nem com entusiasmo, nem com afeto ou surpresa. Tinha uma expressão tristíssima. Descobri que, embora pudesse falar, e embora soubesse quem eu era, era incapaz de mostrar outra emoção que não fosse tristeza e desapontamento. Estava consciente de que tinha morrido e de que tinha voltado à vida, mas apercebia-se também de que estava enormemente diminuído e de que nunca voltaria a recuperar todas as emoções que tinham feito dele o homem que era. Nunca mais voltaria a sentir paixão, amor, ou entusiasmo.
No meu sonho, o rosto dele incomparavelmente pesaroso era o mesmo que eu lhe vira tantas vezes quando cuidava dele no hospital.
Não me disse como tinha voltado à vida. E também não me ocorreu perguntar-lhe. Não me aventurei a entrar no anexo; de algum modo, sabia que não o devia fazer.
Tive o mesmo sonho depois, pelo menos em duas ocasiões nos princípios da década de 1990. A seguir a cada uma dessas vezes, sentia-me inquieto e desamparado.
Até que por fim — tanto quanto me lembro — nunca mais voltei a ter o mesmo sonho. E pensei que nunca mais voltaria a tê-lo.
Mas estava enganado.
No outono de 2006, pouco depois da morte da minha mãe, voltei a sonhar que o meu irmão tinha voltado à vida naquela mansão.
O despertar deixou-me uma vez mais com uma imagem extraordinariamente nítida do rosto triste e inquieto do meu irmão. Sempre que o via com essa expressão no hospital, ficava convencido de que ele estava a pensar na injustiça que era morrer jovem.
No decorrer desse dia, ao pensar na expressão inconformada do meu irmão no meu sonho, veio-me ao espírito a figura de Lázaro no Novo Testamento. No Evangelho de João, Lázaro levanta-se de entre os mortos – ressuscitado por Jesus seu amado amigo.
Porque teria eu pensado em Lázaro? Não sei. Possivelmente porque tinha acabado recentemente A Sétima Porta, um livro que me obrigara a pesquisar a história e o misticismo judaicos durante muitos meses.
Comecei a imaginar o que teria Lázaro sentido ao voltar à vida. De que modo se teria ele sentido mudado ou — como o meu irmão — diminuído pela experiência da morte?
Um romance acerca de Lázaro pareceu-me então uma ideia estimulante, e comecei a fazer pesquisas sobre a vida dos judeus na Terra Santa no início da Era Comum. Reli também o Novo Testamento e vários textos sobre os Evangelhos que tinha estudado quando andava a fazer o meu bacharelato em Religião Comparada na Duke University nos Anos Setenta. Mas a exaustão com que me debatia enquanto cuidava da minha mãe não tardou a dominar-me, e senti-me incapaz de reunir as enerrgias necessárias para completar a minha pesquisa. Pensei que talvez nunca mais voltasse a retomar o projeto.
Dei por mim incapaz de escrever uma palavra que fosse durante os sete meses que se seguiram à morte da minha mãe.
Nos princípios de 2013, porém, depois de acabar o meu livro A Sentinela, voltei a sentir-me entusiasmado com a ideia de escrever um romance sobre Lázaro. Parecia-me ser o tempo certo para me lançar num projeto ambicioso, e pus-me então a ler os livros sobre a Terra Santa na época de Jesus que já lera seis anos antes. E encomendei mais uns trinta textos relevantes.
Depois de um período inicial de seis messe de pesquisa — e depois de ter acumulado um vasto somatório de notas dos textos que tinha estudado — comecei a escrever o romance. Acabei-o dois anos mais tarde, em setembro de 2015, cerca de vinte e seis anos depois do meu sonho incial sobre o regresso à vida do meu irmão.

Richard Zimler 

Richard Zimler