Apresentação – José Tolentino Mendonça: "O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas"
03 October 2017
Apresentação – José Tolentino Mendonça: "O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas"
Num texto intitulado, “Avizinhar-se do Silêncio”, na página 95 do seu novo livro, o autor introduz o termo “A cultura de avalanche.” Se a minha a interpretação está certa, está desse modo a dizer-nos que a cultura que criámos nas últimas décadas se carateriza pelo facto de as pessoas estarem quase sempre ligadas aos média – aos iPods, iPads e televisão, colocando inúmeros posts e comentários no Facebook, Twitter e Instagram, falando 10, 20, 30 vezes por dia no telemóvel…enquanto viajam no metro, caminham num parque, mudam a fralda do filho… É uma cultura em que vivemos demasiado longe daquilo que o autor refere como “O território de silêncio.” Diz ele: “Somos analfabetos do silêncio e esse é um dos motivos por que não encontramos paz. O silêncio é um traço de união mais frequente do que se imagina, e mais fecundo do que se julga…Mas para isso precisamos de uma iniciação ao silêncio, que é o mesmo que dizer uma iniciação à arte de escutar.”
Escolhi este tema para começar a falar desta admirável colectânea de pensamentos grandes e perguntas ainda maiores porque me parece que quase todo este livro é um antídoto contra essa cultura de avalanche. Aliás, julgo que daria um bom subtítulo: “Um antídoto contra a cultura de avalanche”.
Falando só por mim, penso que isto é um projecto muito valioso. E muito bem-vindo. Em parte, mas só em parte, por uma razão um pouco egoísta. Porque se vamos viver num mundo em que as pessoas ainda lêem romances, em que a leitura ainda tem algum significado, temos que aprender a apreciar – e focar – o nosso silêncio.
O que mais gostei neste “antídoto” foi como é que as suas mais de 150 crónicas me fizeram pausar e contemplar a minha própria vida – os seus aspectos mais felizes e também os mais traumáticos… fizeram-me pensar em alguns eventos e pessoas que tinha esquecido.
Vou mencionar 3 breves exemplos…
Este primeiro texto, “Avizinhar-se do Silêncio”, fez-me pensar na minha actividade principal – escrever livros. Porque é uma actividade que faço num silêncio total. E adoro isso. Penso que tenho imensa sorte por ter este relação com o silêncio. A escrita – e o silêncio que ela exige – é a minha casa.
Na página 107, no texto “O significado da repetição”, o autor escreve: “As crianças são, em tantos aspetos, inesperados mestres.” Fez-me pensar logo na mais surpreendente e maravilhosa pergunta que alguma vez recebi….
Numa sessão em Fafe, um jovem de 6 anos perguntou-me o seguinte: “Quantos livros é que o senhor ainda não escreveu”?
Que pergunta espectacular. É mesmo Zen Budista.
No texto, “O passado é passado”, na página 68, o autor escreve o seguinte: “Todos trazemos do passado uma quantidade de questões em aberto e que, não raro, ainda nos sequestram. ‘Ah, porque não aconteceu assim. Porque é que foi desta maneira e não daquela?’ Há, porém, um momento em que temos de deixar para trás essas perguntas: o que foi, foi.”
A pergunta que me persegue nos meus momentos mais frágeis, quando estou a pensar, por exemplo, na minha infância em Nova Iorque, é: “Porque é que o meu irmão tinha de morrer tão jovem, vítima de um vírus, um nada, que começou a matar tanta boa gente em todo o mundo nos anos 80?” Esta pergunta traz com ela uma outra: “Como é que o meu irmão seria agora, 28 anos depois da sua morte?”
Fiquei prisoneiro da primeira destas duas perguntas nas semanas a seguir à morte dele. E depois, depois… A narrativa do passado, escrita com uma tinta líquida aparentemente modificável, secou para sempre, e pouco a pouco, ao longo de muitos anos, percebi que nunca poderia ser alterada, e deixei de ser perseguido pelas perguntas sobre o meu irmão. O que não significa que não passem ainda pela minha cabeça de vez em quando.
Quero acabar esta brevíssima introdução com uma frase de Françoise Dolto, a conhecida pediatra e psicanalista francesa, que o autor cita na página 40: “Quando um qualquer ser humano sente um desejo suficientemente forte para assumir todos os riscos do seu próprio ser, é porque está pronto para honrar a vida de que é portador.”
Adoro esta citação. E penso que este livro vai encorajar muitos leitores a assumir os riscos do seu próprio ser.
Não posso imaginar nada mais importante, para cada um de nós, do que isso mesmo.