Os refugiados e a ignorância europeia
14 May 2017
Os refugiados e a ignorância europeia
Em 2010, no âmbito de um encontro político em Potsdam, no sul de Berlim, Angela Merkel disse o seguinte: “Esta abordagem multicultural, de apenas viver lado a lado e ser feliz uns com os outros – esta abordagem fracassou completamente”.
Esta perspectiva da chanceler alemã evidencia uma ignorância abismal da história do seu país e da Europa, pois segundo todos os estudos genéticos, linguísticos e arqueológicos realizados ao longo dos últimos 50 anos, essa região do mundo tem vivido um cruzamento de povos e etnias desde há pelo menos 5.000 anos, quando os indo-europeus da Ásia entraram em todos os territórios que hoje constituem os países europeus. Ainda por cima, durante longos períodos da história esses diferentes povos viveram entre si em paz. A própria nação que Merkel lidera, a Alemanha, é uma construção recente (1871), e quando nos referimos aos alemães, estamos, de facto, a referir-nos não a um povo uniforme, mas a uma conglomeração de várias etnias. Os alemães actuais têm uma herança genética e cultural dos celtas, romanos, visigodos, ostrogodos, suevos, judeus e muitos outros povos. Do ponto de vista cultural e religioso, por exemplo, a Alemanha ainda hoje está dividida entre diferentes ramos da religão cristã, protestantismo (56% da população) e catolicismo (29% da população). A multiculturalidade na Alemanha nem é uma experiência recente, nem é um fracasso, é a sua tradição milenar e a sua única realidade. Não existe uma Alemanha que não seja multicultural!
Nos últimos anos, tenho pensado muito nos ataques ao multiculturalismo na Europa por duas razões: 1) O meu mais recente romance, O Evangelho Segundo Lázaro, explora a diversidade étnica e linguística na Terra Santa de há 2000 anos, quando lá viviam comunidades de Romanos, Judeus, Gregos, Fenícios, Nabateus e muitos outros povos. 2) Tem-se desenvolvido na Europa um crescente antagonismo aos fluxos dos refugiados do Médio Oriente e da África do Norte, frequentemente justificado com o argumento errado de que os países da Europa devem preservar a sua homogeneidade. Errado, porque nunca houve homogeneidade nesta região. Para escolher um exemplo mais próximo da Alemanha, temos em Portugal uma herança cultural e linguística de vários povos, incluindo iberos, celtas, romanos, judeus e mouros. A tradição portuguesa foi, durante milénios, multicultural. A tentativa de criar uma homogeneidade em Portugal é bastante recente, começando em 1497, com a conversão forçada dos Judeus ao Cristianismo.
Na perspectiva da Merkel e de outros políticos conservadores da Europa, o multiculturalismo tem sido um fracasso. Porém, a verdadeira razão que os leva a defender essa opinião é porque não querem pôr em causa a ilusão da homogeneidade e não querem adoptar medidas capazes de integrar os novos refugiados nas suas sociedades de uma forma eficiente e justa. E ainda porque não querem lutar por uma solução duradoura que ponha termo ao sofrimento dos refugiados: o fim das guerras e conflitos actuais no Médio Oriente e na África da Norte – guerras e conflitos que foram em grande parte fomentados e sustentados pelos Estados Unidos e por vários governos europeus.