As Batalhas de Philip Roth
31 March 2017
As batalhas de Philip Roth
Richard Zimler
Quero falar esta noite sobre dois combates que Philip Roth tem travado durante toda a sua carreira, através dos seus romances. Não me vou alongar, vou falar apenas alguns minutos, porque sei que vieram ao Festival esta noite para ver um filme e não para me ouvir. Mas acho que é importante entender estas duas facetas pscicológicos da pessoa que é o autor, para melhor poderem apreciar as suas personagens.
Ocasionalmente, quando estou a conversar sobre Philip Roth, Saul Bellow ou outros escritores judeus que cresceram nos anos 40 e 50 do século passado, há sempre alguém que me pergunta por que motivo eles falam tanto de beisebol, de hambúrgueres, de filmes de Hollywood e de outros aspectos da vida que normalmente associamos aos Estados Unidas. A resposta tem a ver com a diáspora judaica e a experiência que é ser filho ou neto de imigrantes.
Como Marcus, a personagem principal de Indignação, os protagonistas de Roth quase sempre se sentem divididos entre a cultura que os pais imigrantes trouxeram consigo da velha Europa para Newark e a cultura do grande país – a América – a que eles, os protagonistas, têm de se adaptar para conseguirem o futuro que tanto desejam.
Sentem-se numa terra de ninguém, entre a cultura ídiche e a cultura da América profunda.
Falam tanto sobre beisebol, sobre comida americana, sobre os Fords e Plymouths, e sobre o verão passado na praia porque todas essas coisas representam para eles a América. Querem ser americanos como todos os outros. Não querem ser vistos como judeus. Às vezes, até se envergonham dos pais — por falarem inglês com sotaque ídiche, por exemplo, ou dos empregos manuais que eles têm, dos gritos à mesa de jantar, do seu drama — e de todas as coisas que os fazem sobressair numa América conservadora, tradicional, Protestante, calma e, supostamente, normal.
Essa é uma das razões pelas quais Marcus, o herói do filme que estão prestes a ver, decide ir para uma pequena universidade numa pacata cidade do Ohio. De certa forma, decide viver num país estrangeiro. E está muito aliviado porque só terá de ver os pais durante as férias.
Mas assim que as personagens de Roth tomam a decisão de fugir dos seus bairros judaicos e dos pais, descobrem, pouco a pouco, que a América Protestante, calma e tradicional também é anti-semita, reprimida, hipócrita e medíocre. Eles querem conhecer meninas Protestantes sensuais e perfeitas, como Betty Grable, e heróis desportivos como Lou Gehrig, e professores maravilhosos como John Dewey, mas em vez disso — como neste filme — encontram jovens mulheres incapazes de lidar com um mundo repressivo, professores incompetentes, e reitores ditatoriais que querem controlar a vida dos alunos. Descobrem o lado nefasto da América. Descobrem que é um país cheio de gente simplória e com pouca educação — fundamentalistas preconceituosos e intolerantes. Em suma, descobrem que a América não é apenas Betty Grable, Fred Astaire, Lou Gehrig e Judy Garland, mas também George W. Bush e Sarah Palin. E Donald Trump.
Então que deviam fazer? Aceitar que nunca conseguirão ser um americano “típico”? Existirá um sítio onde se podem encontrar a si próprios?
A segunda batalha que Roth está quase sempre a travar é contra o puritanismo da América. É uma das razões pelas quais ele fala tão francamente e frequentemente sobre sexo nos seus livros. Os romances de Roth estão cheios de masturbação e fellatio e cunnilingus. Felizmente, descreve tudo isso com humor e compreensão — com graça. Naturalmente, as suas narrativas estão também cheias de mulheres. A maneira como elas andam e sorriem e riem. E fodem, claro. Roth é obcecado por elas em parte porque vive num país onde o sexo é pecado. Mas é também um país onde o sexo vende dentífricos e camisas e carros e cerveja e tudo mais. É um país hipócrita, que tem a maior indústria de pornografia do mundo, mas também dezenas de milhões de pessoas que pensam que os jovens não devem ter relações sexuais antes do casamento — e que o corpo humano é algo de que se envergonhar.
Embora as personagens de Roth geralmente desprezem esse puritanismo, ao mesmo tempo absorvem-no. Sentem-se culpados por tudo que tenha a ver com seu pénis e por terem impulsos sexuais. Ficam perplexos com as mulheres que não sentem essa culpa — que adoram ter relações sexuais. Como Marcus em Indignação, os protagonistas dos livros de Roth não entendem, por exemplo, como é que uma estudante amiga dele pode sentir-se feliz e confiante e ao mesmo tempo desejar fazer-lhe um broche.
Esse conflito na cabeça de Marcus pode soar-lhes como absurdo, mas vocês não cresceram na América. Ele cresceu lá e… como irão ver daqui a pouco, vai sofrer as consequências.